quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Trecho de " Memórias de minhas putas tristes"

"Não Havia escapatória.Entrei no quarto com o coração desvairado e vi a menina adormecida, nua e desamparada na enorme cama de aluguel, tal e como sua mãe a tinha parido.Jazia meio de lado , de cara para porta, iluminada pelo lustre com uma luz intensa que não perdoava detalhe algum.Sentei-me para contemplá-la na beira da cama com um feitiço de cinco sentidos.Era morena e morna. Tinha sido submetida a um regime de higiene e embelezamente que não descuidou nem os pêlos incipientes de seu púbis. Haviam cacheado seus cabelos e tinha nas unhas das mãos e dos pés um esmalte natural, mas a pele cor de melaço parecia áspera e maltratada. Os seios recém-nascidos ainda pareciam de menino, mas viam-se urgindo por uma energia secreta a ponto de explodir. O melhor de seu corpo eram os pés grandes de passos sigilosos com dedos longos e sensíveis como se fossem de outras mãos.Estava ensopada num suor fosforescente apesar do ventilador, e o calor se tornava insuportável à medida que a noite avançava. Era impossível imaginar como seria a cara lambuzada de cores , espessa crosta de pó-de-arroz com dois remendos de carmin nas bochechas , as pestanas postiças, as sobrancelhas e pálpebras que pareciam pintadas com tição, e os lábios aumentados com um verniz de chocolate. Mas nem os trapos nem as tinturas eram suficientes para dissimular seu gênio : o nariz altivo, as sobrancelhas encontradas, os lábios intensos. Pensei: Um meigo touro de briga. "


[Gabriel García Márquez]

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