quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Trecho de " Memórias de minhas putas tristes"

"Não Havia escapatória.Entrei no quarto com o coração desvairado e vi a menina adormecida, nua e desamparada na enorme cama de aluguel, tal e como sua mãe a tinha parido.Jazia meio de lado , de cara para porta, iluminada pelo lustre com uma luz intensa que não perdoava detalhe algum.Sentei-me para contemplá-la na beira da cama com um feitiço de cinco sentidos.Era morena e morna. Tinha sido submetida a um regime de higiene e embelezamente que não descuidou nem os pêlos incipientes de seu púbis. Haviam cacheado seus cabelos e tinha nas unhas das mãos e dos pés um esmalte natural, mas a pele cor de melaço parecia áspera e maltratada. Os seios recém-nascidos ainda pareciam de menino, mas viam-se urgindo por uma energia secreta a ponto de explodir. O melhor de seu corpo eram os pés grandes de passos sigilosos com dedos longos e sensíveis como se fossem de outras mãos.Estava ensopada num suor fosforescente apesar do ventilador, e o calor se tornava insuportável à medida que a noite avançava. Era impossível imaginar como seria a cara lambuzada de cores , espessa crosta de pó-de-arroz com dois remendos de carmin nas bochechas , as pestanas postiças, as sobrancelhas e pálpebras que pareciam pintadas com tição, e os lábios aumentados com um verniz de chocolate. Mas nem os trapos nem as tinturas eram suficientes para dissimular seu gênio : o nariz altivo, as sobrancelhas encontradas, os lábios intensos. Pensei: Um meigo touro de briga. "


[Gabriel García Márquez]

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

...

Absurda é a nossa incapacidade
De ser qualquer coisa
Fazer qualquer coisa
Talvez por que somos inúteis
Ou apenas vermes vivendo neste fabuloso mundo triste
Simplesmente vermes...
Se arrastando nessa bela metrópole cinza de sonhos desfeitos e prazeres reprimidos

Mr.Scarecrow

Hey, Mr. Scarecrow
You can't close your eyes
Can't fold your arms
You're always standing still
Watching days pass by

Hey, Mr. Scarecrow
In this never-changing view
Of these ever-changing fields
It wouldn't seem unreal to see you cry
To see you cry
But maybe it was just the morning dew

Hey Mr. Scarecrow
If you could walk
If you could see the world
If someone could break your heart

Wouldn't you feel tempted
To come back to these fields
And feel no pain
Just sun and rain to make you fall apart

I've seen you cry
I think I've seen you cry
But maybe
Maybe it was just the morning dew.


[Herbert Vianna]

Por quê?

No momento que as palavras voam
E o alívio chega
Pensamos o porque...Por que não fizemos tudo antes?
Por que não arriscamos tudo?
Mergulhamos em paixões descontroladas e não sobrevivemos a verdade.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Contudo


"Contudo, contudo,

Também houve gládios e flâmulas de cores
Na Primavera do que sonhei de mim.
Também a esperança
Orvalhou os campos da minha visão involuntária,
Também tive quem também me sorrisse.
Hoje estou como se esse tivesse sido outro.
Quem fui não me lembra senão como uma história apensa.
Quem serei não me interessa, como o futuro do mundo.

Caí pela escada abaixo subitamente,
E até o som de cair era a gargalhada da queda.
Cada degrau era a testemunha importuna e dura
Do ridículo que fiz de mim.

Pobre do que perdeu o lugar oferecido por não ter casaco limpo com que aparecesse,
Mas pobre também do que, sendo rico e nobre,
Perdeu o lugar do amor por não ter casaco bom dentro do desejo.
Sou imparcial como a neve.
Nunca preferi o pobre ao rico,
Como, em mim, nunca preferi nada a nada.

Vi sempre o mundo independentemente de mim.
Por trás disso estavam as minhas sensações vivíssimas,
Mas isso era outro mundo.
Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja.
Acima de tudo o mundo externo!
Eu que me agüente comigo e com os comigos de mim."


[Álvaro de Campos ]