sábado, 24 de maio de 2008

Antigamente

ANTIGAMENTE, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passasse a manta e azulava, dando às de vila-diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de altéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água.

HAVIA OS QUE tomaram chá em criança, e, ao visitarem família da maior consideração, sabiam cuspir dentro da escarradeira. Se mandavam seus respeitos a alguém, o portador garantia-lhes: “Farei presente.” Outros, ao cruzarem com um sacerdote, tiravam o chapéu, exclamando: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”, ao que o Reverendíssimo correspondia: “Para sempre seja louvado.” E os eruditos, se alguém espirrava — sinal de defluxo — eram impelidos a exortar: “Dominus tecum”. Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso metiam a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramontana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe faziam, quando, por exemplo, insinuavam que seu filho era artioso. Verdade seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados; chegavam a pitar escondido, atrás da igreja. As meninas, não: verdadeiros cromos, umas tetéias.

ANTIGAMENTE, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a boca na botija, contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas. Uns raros amarravam cachorro com lingüiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde. As famílias faziam sortimento na venda, tinham conta no carniceiro e arrematavam qualquer quitanda que passasse à porta, desde que o moleque do tabuleiro, quase sempre um cabrito, não tivesse catinga. Acolhiam com satisfação a visita do cometa, que, andando por ceca e meca, trazia novidades de baixo, ou seja, da Corte do Rio de Janeiro. Ele vinha dar dois dedos de prosa e deixar de presente ao dono da casa um canivete roscofe. As donzelas punham carmim e chegavam à sacada para vê-lo apear do macho faceiro. Infelizmente, alguns eram mais do que velhacos: eram grandessíssimos tratantes.

ACONTECIA o indivíduo apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o próprio chamar o doutor e, depois, ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era a phtysica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos lombrigas, asthma os gatos, os homens portavam ceroulas, botinas e capa-de-goma, a casimira tinha de ser superior e mesmo X.P.T.O. London, não havia fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam.

MAS TUDO ISSO era antigamente, isto é, outrora.


[Carlos Drummond de Andrade]

quarta-feira, 23 de abril de 2008

1.2

" As cortinas transparentes não revelam
O que é solitude, o que é solidão
Um desejo violento bate sem querer
Pânico, vertigem, obsessão "

(Lobão)

1.1

"A cidade enlouquece sonhos tortos
Na verdade nada é o que parece ser
As pessoas enlouquecem calmamente
Viciosamente, sem prazer "

(Lobão)

quinta-feira, 6 de março de 2008

12:27

Jogaram a bomba!
Ataques terroristas ninfomaníacos e engomados aconteceram essa semana....mas ninguém viu nada,só escutaram um grito depois que tudo terminou.
O meu grito!

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Quase o paraiso (onde Judas adquiriu bolhas)

Não consigo acreditar no que acontece, parece que lutamos tanto para isso que quanto acontece...não parece legitimo, será que é de verdade?
O nome de "x" pessoas novas, lugares estranhos...
Tudo me parece tão extremamente inebriante!
Ou será toda a bebida que eu tomei que faz parecer assim???????

Eu bebi tanto assim?

Por enquanto, tudo parece com o paraiso...só falta o sexo!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Seria bom estar com você agora.

É...
Em momentos como esse eu queria que você estivesse aqui.Acho que é o que eu mais quero...pena que não vai acontecer...
Você ia sentir orgulho de mim agora, mas acho que sempre sentiu...espero pelo menos

Eu estou feliz tá!
Te amo sempre!

Ass: Sua "Princess"

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Poemeto Irônico

O que tu chamas tua paixão,
É tão-somente curiosidade.
E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade...



Curiosidade sentimental
Do seu aroma, da sua pele.
Sonhas um ventre de alvura tal,
Que escuro o linho fique ao pé dele.


Dentre os perfumes sutis que vêm
Das suas charpas, dos seus vestidos,
Isolar tentas o odor que tem
A trama rara dos seus tecidos.

Encanto a encanto, toda a prevês.
Afagos longos, carinhos sábios,
Carícias lentas, de uma maciez
Que se diriam feitas por lábios...


Tu te perguntas, curioso, quais
Serão seus gestos, balbuciamento,
Quando descerdes nas espirais
Deslumbradoras do esquecimento...


E acima disso, buscas saber
Os seus instintos, suas tendências...
Espiar-lhe na alma por conhecer
O que há sincero nas aparências.


E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade...
O que tu chamas tua paixão,
É tão-somente curiosidade.


[Manuel Bandeira]

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Voando...

Esperar é o que me resta, queria poder responder todas essas perguntas que ficam voando na minha cabeça...
Voando e voando para longe, até que algum dia eu me esqueça delas.Afinal algum dia tudo termina!Mas quanto termina?
Quando terminar, vou agradar meus desejos tornando-os realidade só pra esquecer depois...

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Trecho de " Memórias de minhas putas tristes"

"Não Havia escapatória.Entrei no quarto com o coração desvairado e vi a menina adormecida, nua e desamparada na enorme cama de aluguel, tal e como sua mãe a tinha parido.Jazia meio de lado , de cara para porta, iluminada pelo lustre com uma luz intensa que não perdoava detalhe algum.Sentei-me para contemplá-la na beira da cama com um feitiço de cinco sentidos.Era morena e morna. Tinha sido submetida a um regime de higiene e embelezamente que não descuidou nem os pêlos incipientes de seu púbis. Haviam cacheado seus cabelos e tinha nas unhas das mãos e dos pés um esmalte natural, mas a pele cor de melaço parecia áspera e maltratada. Os seios recém-nascidos ainda pareciam de menino, mas viam-se urgindo por uma energia secreta a ponto de explodir. O melhor de seu corpo eram os pés grandes de passos sigilosos com dedos longos e sensíveis como se fossem de outras mãos.Estava ensopada num suor fosforescente apesar do ventilador, e o calor se tornava insuportável à medida que a noite avançava. Era impossível imaginar como seria a cara lambuzada de cores , espessa crosta de pó-de-arroz com dois remendos de carmin nas bochechas , as pestanas postiças, as sobrancelhas e pálpebras que pareciam pintadas com tição, e os lábios aumentados com um verniz de chocolate. Mas nem os trapos nem as tinturas eram suficientes para dissimular seu gênio : o nariz altivo, as sobrancelhas encontradas, os lábios intensos. Pensei: Um meigo touro de briga. "


[Gabriel García Márquez]

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

...

Absurda é a nossa incapacidade
De ser qualquer coisa
Fazer qualquer coisa
Talvez por que somos inúteis
Ou apenas vermes vivendo neste fabuloso mundo triste
Simplesmente vermes...
Se arrastando nessa bela metrópole cinza de sonhos desfeitos e prazeres reprimidos

Mr.Scarecrow

Hey, Mr. Scarecrow
You can't close your eyes
Can't fold your arms
You're always standing still
Watching days pass by

Hey, Mr. Scarecrow
In this never-changing view
Of these ever-changing fields
It wouldn't seem unreal to see you cry
To see you cry
But maybe it was just the morning dew

Hey Mr. Scarecrow
If you could walk
If you could see the world
If someone could break your heart

Wouldn't you feel tempted
To come back to these fields
And feel no pain
Just sun and rain to make you fall apart

I've seen you cry
I think I've seen you cry
But maybe
Maybe it was just the morning dew.


[Herbert Vianna]

Por quê?

No momento que as palavras voam
E o alívio chega
Pensamos o porque...Por que não fizemos tudo antes?
Por que não arriscamos tudo?
Mergulhamos em paixões descontroladas e não sobrevivemos a verdade.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Contudo


"Contudo, contudo,

Também houve gládios e flâmulas de cores
Na Primavera do que sonhei de mim.
Também a esperança
Orvalhou os campos da minha visão involuntária,
Também tive quem também me sorrisse.
Hoje estou como se esse tivesse sido outro.
Quem fui não me lembra senão como uma história apensa.
Quem serei não me interessa, como o futuro do mundo.

Caí pela escada abaixo subitamente,
E até o som de cair era a gargalhada da queda.
Cada degrau era a testemunha importuna e dura
Do ridículo que fiz de mim.

Pobre do que perdeu o lugar oferecido por não ter casaco limpo com que aparecesse,
Mas pobre também do que, sendo rico e nobre,
Perdeu o lugar do amor por não ter casaco bom dentro do desejo.
Sou imparcial como a neve.
Nunca preferi o pobre ao rico,
Como, em mim, nunca preferi nada a nada.

Vi sempre o mundo independentemente de mim.
Por trás disso estavam as minhas sensações vivíssimas,
Mas isso era outro mundo.
Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja.
Acima de tudo o mundo externo!
Eu que me agüente comigo e com os comigos de mim."


[Álvaro de Campos ]